29.1.08

The court

Sei que nos últimos tempos, não tenho escrito grandes pérolas de literatura. Não quer dizer também, que o vá fazer hoje. No entanto, em troca daquilo que me disseram ser uma boa reportagem, vou dar-vos a conhecer um pouco mais de mim. Trata-se de uma história da vida real.
Imaginemos então, que a Leila* é (entre outras coisas parecidas) uma advogada estagiária, em inicio de carreira (ou tentativa de). Já sei que a maioria de vocês enfia todos os advogados num pacote rotulado de aldrabões, mas ignoraremos isso, por instantes. Ignoraremos também a censura (que certamente - de forma legítima - todos fariam) ao interveniente desta história.
Caso não saibam, existem escalas de prevenção para nomeações urgentes, (ou pelo menos existia até ser aprovada certa Portaria) nas quais, os advogados estagiários, substituem os mandatários que faltam (e cuja audiência de julgamento tem de ser realizada) ou assumem a defesa daqueles que não têm advogado por opção ou não têm meios para tal.
Este caso concreto passou-se em meados de Outubro de 2007, no Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa (Palácio da Justiça) e eram cerca das 11.30 da manhã.
Fui chamada pelo oficial de justiça, dei uma primeira leitura ao auto de notícia, e tive bastante tempo para conferenciar com o arguido, uma vez que a audiência apenas teve inicio da parte da tarde. O arguido vinha acusado da prática de um crime de condução sem habilitação legal, e era já a segunda vez que era "apanhado" naquele ano. Durante a conversa que tive com o arguido, pude constatar que era uma pessoa de posses muito reduzidas (ganhava cerca de 500euros mensais), trabalhava num restaurante para sustentar a mulher e dois filhos (um deles tinha nascido na tarde anterior), nada restando (segundo ele) para tirar a carta, pagar seguros ou outros extras.
Chegada a hora da audiência (que não durou mais de 12 minutos), questionei-o acerca de outros antecedentes. Tremeu, e disse-me a medo, "Estive 2 anos e 3 meses "dentro" por tráfico". A juíza em nada foi benevolente, nem podia. Era reincidente e o facto de ter ido ao hospital ver a mulher e o filho recém nascido, não eram motivo de desculpa. A juíza gritou até "Só me falta dizer que levava crianças dentro do carro!". As suas lágrimas que escorriam timidamente, passaram a soluços de choro compulsivo.
Não me limitei a pedir Justiça, tentei a todo o custo que a pena aplicável fosse menor. Talvez ele se emendasse, pensei. A multa foi de 1200 euros e subsidiária 60 dias (caso não pague vai preso 60 dias, o que já não seria novidade para ele). Parece pouco se pensarmos que um destes desgraçados, nos pode atropelar na rua, ou matar a nossa tia-avó numa passadeira. Mas não consegui deixar de ter pena. Sim, é um misto de pena e raiva, porque a sociedade em que hoje vivemos torna-se num ciclo. Há quem roube porque não tem, é apanhado e vai preso. Sai da prisão e não tem, vai roubar.
Para mim, não foi apenas mais uma escala, foi uma lição de vida. O arguido que defendi com a inexperiência dos meus 24 anos, tinha a mesma idade que eu, mas uma história em tudo diferente.

12 comentários:

Paula disse...

Deixaste-me a pensar que realmente este mundo é muito injusto. Não que ainda não tivesse chegado a essa conclusão, mas relembraste-me.
E o problema é que é como uma bola de neve. Começa com uma coisinha daqui, outra dali e à medida que vai crescendo, vai arrastando mais coisas e mais pessoas, até ser impossível parar. E destrói tudo à sua volta.
E é como dizes:uma pessoa rouba porque não tem nada, vai presa, volta a roubar e assim vai passando a sua vida. Se é que se pode chamar vida...
E o que me preocupa mais, é saber que depende de todos nós mudar esta situação. E que nem todos estão dispostos a fazê-lo.
Bjs!

Vitor disse...

histórias de vida... quem as não tem...

beijo

mik@ disse...

aih leila como eu te compreendo... (jornalistas também são todos metidos no mesmo saco... mas eu não sou jornalista! mas queria ser...)
infelizmente essas coisas acontecem... uma pessoa com o salario minimo e familia pra criar tem de desencantar forças sabe-se lá onde pra se safar na vida...

any the one disse...

a leila é advogada???...ah malvada que me enganaste. sempre pensei que eras engenheira.

M disse...

Ah Leila, dores de crescimento!
Não te insensibilizes e continua a lutar!
Força!
***

penim disse...

uma advogada sensível?

oh meu deus, o que virá a seguir... um cabeleireiro heterossexual?

hehehe.. kidding leila*

beijinhos!

Graça disse...

Caramba, o mundo é cruel!! Sinceramente tenho mesmo muita pena, saber que ele tem que alimentar uma família e não poder é mesmo triste.

Beijo

Ruca! disse...

o sistema está podre. já sabes o q penso disso.
desde que n te deixes envolver muito nessa teia, you'll be fine.

bijomáu*

Dezperado disse...

Sra Advogada Sra Advogada, tenhoa aqui uma vizinha que faz barulho e barulho e barulho. Será que me pode ajudar? é que senao, mato-a para a semana que vem... :)

Helena Magalhães disse...

É um autentico mundo cão em que vivemos. E infelizmente isto vai perdurar. São sempre estas lições de vida que nos dao forçita para olhar para nós e vermos o quanto fomos abençoados. Nem que seja por estarmos a ler este blog, sentados no nosso quarto, no nosso computador :)

Aah tive hoje exame de Direito do Trabalho :P buuuuuuuuuuuuu

Pablo disse...

São estas experiências, que devemos guardar bem na nossa memória, porque são elas que fazem de nós um ser humano melhor e diferente dos demais.
Ainda acredito numa sociedade mais justa, sou um sonhador!

Maga disse...

é complicado leila*, a vida não parece fácil para ele, mas também não o é para os outros que seguem as regras, tantas vezes com imensas dificuldades. não dá para facilitar, ou implanta-se o caos. acho que estiveste à altura
beijo!